20/06/2010

Quando o avesso é o direito

Depois de passar anos na expectativa de estagiar numa cozinha que na minha cabeça era uma coisa mágica, encontrar aquilo foi um grande choque. Os cozinheiros usavam preparados Kinorr pra temperar o vatapá do pará, carnes, e frango. Três sabores de caldo Kinorr, dignos de foder de vez qualquer cozinha, ainda mais essa, que tem fama de fazer a melhor comida regional. E pra acabar de vez com todas as chances da minha parte de dar uma chance: a mais absoluta falta de segurança no trabalho, e uma mousse de graviola que voltou do buffet estragada foi direto pra geladeira, apesar dos meus avisos de que estava estragado - quando coloquei uma colherada na boca as bactérias ficaram todas felizes e ferveram na minha lingua quentinha e úmida. Como diria minha amiga Fabiana Vajman, "é de foder até o cu cair da bunda!".
Procurei desesperadamente a "orientadora" que, depois descobri, estava passando mal do estômago e não me respondia.

Pensei estar perdida, pensei que todo o tempo aqui foi perdido, desci as calças e pisei em cima de tanta raiva. Cheguei a comprar uma medicação calmante fitoterápica na quinta feira, tomei uns goles do vidro e me acalmei.
Resolvi aproveitar o sol na beira do rio, no máximo minha viagem ao Pará me faria levar boas lembranças: conheci gente interessante, fiz amigos, conheci lugares incríveis, comi coisas deliciosas e passei a creditar que as pessoas podem ser felizes - aqui as pessoas nitidamente são.

Foi quando encontrei, finalmente depois de muito procurar, o Chef Ofir de Oliveira. Ele retornou à cidade à pouco, estava cozinhando na Suíça e depois dando aulas em Santa Catarina. Marquei de jantar na casa dele. Ele cobra 65 reais por uma entrada, três pratos e sobremesa. Já havia ouvido falar e na verdade ele era um dos meus focos quando cheguei, porém o número de telefone que tinha dele estava desativado. Diante da experiência do chef, fiquei enlouquecida, finalmente havia encontrado a pessoa que me ensinaria o que preciso sobre a cozinha de raiz da região. Muito mais do que aprenderia dentro de um restaurante que tem que lucrar e portanto se perde nas releituras dos pratos regionais e ingredientes regionais com a tal "cozinha internacional".
Diante desse encontro, quase chorei, só não chorei porque estou sozinha aqui e não posso me dar ao luxo de "amolecer" assim.
Percebi que as coisas sairam muito melhores que o planejado inicialmente e que aquele restaurante hoje realmente só convence pessoas sem a menor referência da cozinha paraense.
Na sequencia, consegui contato com a "orientadora", que muito feliz em me ajudar, me recebeu em seu hotel, numa cidade que fica a 100km de Belém. Conversamos longamente sobre o projeto e ela me fez acreditar, sem dúvidas, que eu posso e devo escrever esse livro, e que isso é de grande valor porque é um resgate de um acervo que está esquecido e em breve morrerá de vez, assim como já aconteceu na cidade de Belém.
Percebi que precisava de alguém para fotografar essa pesquisa e com a ajuda de um amigo que não é fotógrafo, nem músico, nem cozinheiro, mas que é tudo ao mesmo tempo, faremos isso contecer. Já consegui outro amigo que é ótimo no photoshop e se ofereceu para tratar as fotos.

E as coisas estão tomando forma e dançando na minha frente como um balé, ou melhor, um lindo passo de carimbó.

Nenhum comentário:

Postar um comentário